Special Issue, ID es2024xi.ibesymp.3 (01-13), 2024
Doi: https://doi.org/10.32435/xi.ibesymp.3
Environmental Smoke,
e-ISSN: 2595-5527
“A leading
multidisciplinary peer-reviewed
journal”
Conference
Paper from the XI Iberian Symposium on the
Hydrographic Minho River Basin (“XI Simpósio Ibérico sobre a Bacia Hidrográfica do
Rio Minho”)
Full Article:
PLANO DE GESTÃO DA PESCA LÚDICO-DESPORTIVA NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO
ÂNCORA
MANAGEMENT PLAN FOR RECREATIONAL FISHING IN THE
HYDROGRAPHIC ÂNCORA RIVER BASIN
António M. V. Martinho1* (https://orcid.org/0009-0006-9370-8746); Simone
Varandas2,3 (https://orcid.org/0000-0001-5038-6085)
1ICNF - Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas; Direção
Regional da Conservação da Natureza e Florestas do Norte; Departamento Regional
de Gestão e Valorização da Floresta; Divisão de Extensão e Competitividade
Florestal; Parque Florestal, 5000-567 Vila Real, Portugal. Email: antonio.martinho@icnf.pt
2CITAB/UTAD - Centro de Investigação e Tecnologias Agroambientais e
Biológicas, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Departamento
Florestal, 5000-801 Vila Real, Portugal
3CIBIO - Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, InBIO Laboratório Associado, Campus de Vairão, Universidade
do Porto, 4485-661 Vairão, Portugal. Email: simonev@utad.pt
Submitted on: 19 Mar. 2024
Accepted on: 21 Mar. 2024
Published on: 06 May 2024
License: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
O presente trabalho
constitui o resultado dos estudos mais recentemente desenvolvidos pelo ICNF na
bacia de drenagem da futura Zona de Pesca Lúdica (ZPL) do rio Âncora. Estes
suportaram o delineamento de um plano de gestão e exploração sustentada da pesca
lúdico-desportiva nesta bacia hidrográfica que integra a Região Hidrográfica do
Minho e Lima (RH1). Para o efeito, foram constituídas sete estações de
amostragem. Seis, no curso de água principal, e uma, no Regueiro dos Enxurros,
em plena área de cascatas sucessivas, ainda antes da sua confluência com o
Regueiro da Lapa Ladrão, onde se considera ser a nascente do rio Âncora. Nestas
estações, foram realizadas avaliações da qualidade hidromorfológica em troços
de 500 m recorrendo à metodologia River
Habitat Survey (RHS) e monitorizações das
comunidades piscícolas (três por cada estação, num total de vinte e uma
inventariações) com recurso à técnica da pesca elétrica. Os resultados
permitiram equacionar a implementação de medidas de gestão e exploração mais
sustentáveis da pesca nestas massas de água continentais. Nesse contexto, as
opções de gestão tiveram marcadamente em consideração objetivos de conservação
associados à presença de enguia-europeia (Anguilla
anguilla) e de ruivaco (Achondrostoma spp.),
a ampla distribuição de truta (Salmo
trutta) e a reduzida presença de boga (Pseudochondrostoma
duriense) cuja distribuição, no terço superior da presente bacia de
drenagem, é condicionada por uma geomorfologia muito peculiar, recheada de
inúmeros desníveis, na origem de belas cascatas. Com a informação recolhida foi
efetuado o estudo dos dados referentes à idade, crescimento e condição física
da ictiofauna avaliada, assim como foi estabelecida a sua relação com os
diferentes tipos de habitat onde ocorreram. Os resultados demonstram que
estamos perante cursos de água dotados de habitats de “Excelente” qualidade,
exibindo, no entanto, níveis de artificialização que variam desde “severamente
modificado” a “predominantemente não modificado”, fruto das ações antrópicas exercidas
ao longo do tempo. A truta (Salmo trutta)
constitui a espécie mais amplamente distribuída ao longo do curso de água
principal. De enfatizar a ausência de espécies aquícolas exóticas nas
amostragens e a inexistência de médias a grandes estruturas de represamento de
água na rede hidrográfica avaliada. A compartimentação fluvial existente
encontra-se materializada pelos inúmeros microaçudes
(muitos deles, permitem, numa boa parte do ano, a migração dos organismos
aquáticos) e de algumas quedas de água (cascatas naturais) que obstam à
passagem dos peixes. A truta apresenta um crescimento
isométrico para a totalidade das estações de amostragem, revela uma equilibrada
robustez física e uma longevidade máxima de 6 anos. Como resultado prático
deste estudo será criado o Plano de Gestão e Exploração da Pesca Lúdica do rio
Âncora, que servirá de suporte ao delineamento de medidas para promover a
gestão sustentável da pesca lúdico-desportiva na área da futura ZPL,
conciliando esta atividade com os objetivos de conservação da natureza.
Palavras-chave: Ordenamento. Salmo trutta. Anguilla anguilla. Pseudochondrostoma duriense. Gestão sustentável.
This work
is the result of the most recent studies carried out by the ICNF in the
drainage basin of the future recreational fishing area (ZPL) of the Âncora
river. These supported the design of a plan for the sustainable management and
exploitation of recreational fishing in this river basin, which is part of the
Minho and Lima Hydrographic Region (RH1). Seven sampling stations were set up
for this purpose. Six in the main watercourse and one in the “Regueiro dos Enxurros”, in the middle of an area of successive
waterfalls, just before its confluence with the “Regueiro da Lapa Ladrão”, which is considered to be
the source of the Âncora River. At these stations, hydromorphological
quality assessments were carried out on 500 m stretches using the River Habitat
Survey (RHS) methodology and fish community monitoring (three per station, for
a total of twenty-one inventories) using the electrofishing technique. The
results made it possible to consider implementing more sustainable management
and exploitation measures for fishing in these continental bodies of water. In
this context, the management options took marked account of conservation
objectives associated with the presence of European eels (Anguilla anguilla) and red eels (Achondrostoma spp.),
the wide distribution of trout (Salmo
trutta) and the reduced presence of “boga” (Pseudochondrostoma duriense) whose
distribution in the upper third of this drainage basin is conditioned by a very
peculiar geomorphology, filled with numerous slopes, which give rise to beautiful
waterfalls. With the information collected, data on the age, growth and
physical condition of the ichthyofauna assessed was studied, and their
relationship with the different types of habitat in which they occurred was
established. The results show that these are watercourses with
"Excellent" quality habitats, but with levels of artificialization
ranging from “severely modified” to “predominantly unmodified”, the result of
anthropogenic actions over time. Trout (Salmo
trutta) are the most widely distributed species along the main watercourse.
The absence of exotic aquaculture species in the samples and the lack of medium
to large water impoundment structures in the hydrographic network evaluated
should be emphasized. The existing river compartmentalization is materialized by the numerous micro-weirs (many of which
allow aquatic organisms to migrate for a good part of the year) and a few
waterfalls (natural cascades) that prevent fish from passing through. The trout
show isometric growth for all the sampling stations, a balanced physical
robustness and a maximum lifespan of 6 years. As a practical result of this
study, a Recreational Fishing Management and Exploration Plan for the Âncora
River will be created, which will support the design of measures to promote the
sustainable management of recreational fishing in the area of
the future LPZ, reconciling this activity with nature conservation objectives.
Keywords:
Management. Salmo trutta. Anguilla anguilla.
Pseudochondrostoma duriense.
Sustainable management.
1 Introdução
A falta de conhecimento sobre o estado de conservação dos recursos
aquícolas em águas continentais, a gestão menos adequada da atividade pesca em
águas interiores e a falta de planeamento para equacionar respostas a perdas
acentuadas de recursos, gerados, entre outros, pelos efeitos combinados da
sobre-exploração e da degradação ambiental (COCHRANE, 2002), levou, em 1995, em
resposta aos sinais evidentes da sua sobre-exploração à escala mundial e para
recomendar a implementação de novas abordagens para a gestão da pesca tendo em
atenção considerações de conservação, ambientais, sociais e económicas, a FAO a
produzir o “Código de Conduta para uma Pesca Responsável”.
A sustentabilidade dos recursos aquícolas, conceito subjacente desde 1995
às questões da gestão, constitui matéria que tem vindo a evoluir, sendo que o
antigo objetivo de otimização de certos resultados é atualmente combinado com a
da minimização dos impactos sobre os ecossistemas – Abordagem Ecossistémica (GARCIA et al.,
2003). Segundo Kolding e van Zwieten
(2014), o valor acrescentado deste novo critério de sustentabilidade assenta no
pressuposto de que a pesca apenas poderá ser realizada desde que os habitats e
os alimentos, dos quais dependem os recursos aquícolas, sejam o menos possível
perturbados, por forma a manter a resiliência dos sistemas aquáticos. Estes
autores referem ainda que a sustentabilidade, combinada com o objetivo da
conservação da biodiversidade, irá permitir com que a demografia natural e a
estrutura das comunidades, resultantes dos processos de produção e predação,
permaneçam inalterados.
Alicerçada em todos estes princípios, a Divisão de Extensão e
Competitividade Florestal (DECF), da Direção Regional da Conservação da
Natureza e Florestas do Norte (DRCNFN), do Instituto da Conservação da Natureza
e das Florestas (ICNF), executou em 2022 um conjunto de ações na área da bacia
hidrográfica do rio Âncora, sob a sua jurisdição, com o objetivo de produzir um
plano de gestão e exploração sustentável da pesca lúdico-desportiva à escala da
sua bacia de drenagem.
Sabendo que esta região do Alto Minho recebe anualmente um número
significativo de praticantes da pesca lúdico-desportiva, o ICNF tomou a
iniciativa de delinear um conjunto de estratégias de gestão e ordenamento que
pudessem melhorar a regulação da pesca lúdica nestas massas de água de
montanha, conciliando esta atividade com a proteção dos recursos de elevado
valor de conservação.
Com esta nova tipologia de planeamento são definidas normas específicas de
gestão mais conservacionistas dos recursos endógenos explorados numa região
onde os cursos de água são essencialmente classificados como dotados de aptidão
salmonícola e, por isso, apenas abertos à pesca
lúdica uma parte de cada ano civil (cerca de 5 meses).
2 Material e Métodos
2.1. Área de estudo
As massas de água interiores estudadas abrangem
quase a totalidade da bacia de drenagem do rio Âncora (RH1 - Bacia Hidrográfica
do Minho-Lima) já que os últimos 1,5 Km deste curso de água estão sob a
jurisdição marítima (designadamente da Direção Geral dos Recursos Naturais,
Segurança e Serviços Marítimos) e por isso impossíveis de em termos legais
serem incluídos neste processo de criação da presente zona de pesca lúdica.
Neste sentido, a sua aplicação deverá ser compatibilizada de forma a acordar
posteriormente entre as partes com jurisdição sobre esta matéria.
Nestes termos, a futura reserva de pesca irá
abranger a área da bacia hidrográfica do rio Âncora (com a exceção do seu
trecho final, com jurisdição marítima, e as ribeiras oceânicas associadas),
desde a sua nascente, localizada na freguesia de Montaria, concelho de Viana do
Castelo, a montante, e o final do curso fluvial com jurisdição de águas
interiores, coincidente com a ponte ferroviária da Linha do Minho, freguesias
de Vila Praia de Âncora, concelho de Caminha, e de Âncora, concelho de Viana do
Castelo, incluindo a sua rede hidrográfica de águas doces associada
(distribuída por cerca de 72 km2) para que o modelo de gestão
proposto possa incluir todos estes seus afluentes, numa extensão total de cerca
de 16,8 Km do curso de água principal (atualmente esta bacia de drenagem não
dispõe de qualquer curso de água submetido a regulamentação especial). As
massas de água propostas para constituírem este projeto encontram-se
classificadas como dotadas de aptidão salmonícola,
conforme o definido na Deliberação do Conselho Diretivo do ICNF (de
11.01.2018), sendo que a zona superior desta bacia de drenagem, a propor para
ordenamento aquícola, abrange os concelhos de Caminha e Viana do Castelo
(Figura 1).
Figura 1. Localização da bacia de drenagem do
rio Âncora (adaptado de https://geneall.net/pt/mapa/16/viana-do-castelo/ e de
https://en.m.wikipedia.org/wiki/File:Portugal_location_map.svg).
Acesso em: https://drive.google.com/file/d/1-uPpMkXuyRdWGkpqRwuE2ocJG32FN3C9/preview
Ainda que integrada na Região Hidrográfica do Minho e Lima (RH1) (https://apambiente.pt/), trata-se, no entanto, de um
dos mais emblemáticos rios portugueses já que dotado de uma bacia de drenagem
independente (com uma dimensão total de 77,3 Km2 e 19,0 Km de extensão total)
(DGRAH, 1981). Nasce na serra de Arga (da confluência do Regueiro dos Enxurros
e do Regueiro da Lapa Ladrão, a uma altitude próxima dos 370 m (localizando-se,
no entanto, o ponto mais alto da sua bacia a cerca de 800 m) (Figura 1).
O presente curso de água de montanha apresenta
uma toponímia pouco esclarecida. Contudo, o mito poderá eventualmente estar
relacionado com a conhecida Lenda de Gaia (onde se faz crer que a praia de
Âncora deve o seu nome à âncora que o rei D. Ramiro II mandou amarrar ao
pescoço de sua esposa – Rainha D. Urraca – por adultério) (ROCHA, 2017).
A bacia hidrográfica do rio Âncora confronta a
Norte com a rede hidrográfica do rio Coura (BH do Minho), a este com a do
Estorãos (BH Lima) e, a Sul, com a bacia do rio Lima. Parte desta área está
submetida a regime florestal parcial, abrangendo 3 perímetros florestais: da
Serra de Arga, de Santa Luzia e das Serras de Vieira e Monte Crasto (GERMANO,
2004).
Esta região é caracterizada por possuir um clima
seco a húmido (precipitação média anual de cerca de 1200 mm), com pequena ou
moderada deficiência de água no Verão e grande excesso no Inverno/Primavera
(face à influência Atlântica) e temperaturas estivais não muito elevadas −
reduzida temperatura média anual (cerca de 12 a 13 ˚C, em média). A amplitude
térmica do ar e o coeficiente de variação de precipitação apresentam valores
reduzidos. Este tipo de rios traduzem o clima nortenho português, com precipitações
elevadas e temperaturas baixas, sem atingir valores extremos (INAG, 2008). A rede hidrográfica em foco é constituída por
várias linhas de água, algumas com orientação perpendicular ao rio Âncora. Os
subsidiários contribuem para o regime torrencial, característico dos rios de
montanha, fazendo-se sentir essencialmente nos períodos mais chuvosos. Ocorrem
por vezes flutuações de grande amplitude no caudal em períodos inferiores a 24
horas, sendo o caudal médio anual do rio de cerca de 3,2 m3/s (FORMIGO,
1997).
De acordo com a Carta de Ocupação e Uso do Solo
de 2018 (DGT, 2020) esta bacia apresenta uma matriz predominantemente rural,
onde as florestas dominam (de folhosas, autóctones e invasoras, mistas e de
resinosas). De salientar também as extensas áreas de matos (incultos) e áreas
de agricultura (com espaços naturais e seminaturais, sistemas culturais e
parcelares complexos, vinhas, culturas temporárias de sequeiro e de regadio e
culturas temporárias e ou pastagens associadas e permanentes) (https://www.serradarga.pt/) (Figura 2).
Figura 2. Carta de Uso do Solo da ZPL do rio Âncora (DGT, 2020). Acesso em: https://drive.google.com/file/d/1nUFk5eZUNk0R_dFkCu1nxOhj47zXaVYz/preview
2.2. Seleção dos locais de amostragem
As estações de amostragem encontram-se
identificadas na Figura 3. A sua escolha foi realizada no pressuposto de serem
estes os troços ribeirinhos que melhor poderiam contribuir para alicerçar o presente
estudo e consequentemente para melhor avaliar a sua geomorfologia, diversidade
de habitat, estrutura da vegetação ripária, tipos de ocupação do solo e
estruturas
artificiais, nele edificadas. Foram assim criadas
sete estações de amostragem para garantir uma boa representatividade da
variação longitudinal dos habitats na bacia hidrográfica do rio Âncora e para
melhor compreender a distribuição das comunidades piscícolas inventariadas.
A ideia inicial em estabelecer um ponto de
amostragem em cada uma das ribeiras mais importantes desta bacia (ribeiras de
Amonde e de Gondar) não foi possível de concretizar já que os caudais mínimos
aí encontrados em julho de 2022 não justificaram o estabelecimento de estações
de amostragem fixas adicionais. Como consequência desse fato foram
estabelecidas sete estações de amostragem (com uma extensão de 500 m de
comprimento – conceito de estação RHS) no Regueiro dos Enxurros (uma estação) e
no curso de água principal (seis estações). Esta solução tenta garantir
representatividade aos mais diversos habitats que constituem esta bacia
hidrográfica, permitindo estabelecer uma relação entre as comunidades
piscícolas e os habitats onde vão ocorrendo, informação muito útil para
sustentar a tomada de decisões na aplicação das diferentes figuras de
ordenamento e gestão da pesca (Figura 3).
Figura 3. Localização
das estações de amostragem (Ti) na BH do rio Âncora. Acesso
em: https://drive.google.com/file/d/1D_lugcBVLcrfbeH7Gg4V9WkKyXc2DfOG/preview
2.3. Caracterização
hidromorfológica dos habitats
A avaliação foi concretizada através da aplicação da metodologia River Habitat Survey
(RHS) (RAVEN et al., 2000), adaptada no âmbito da
aplicação da Diretiva Quadro da Água (DQA). O RHS envolve a recolha de
informação que permite realizar a caracterização de variáveis hidromorfológicas e do corredor ribeirinho ao longo de 500
m, abrangendo uma faixa de 50 m de cada lado do curso de água em estudo. A
qualidade hidromorfológica é obtida através do cálculo do Índice de Modificação
do Habitat (HMS) e do índice de Qualidade do Habitat (HQA) que se traduz numa
medida de riqueza, raridade e de biodiversidade dos habitats ripícolas.
Visto que o índice HQA está dependente da tipologia de rios é importante
referir que a bacia do rio Âncora, de acordo com a DQA, se enquadra na
tipologia N1≤100 (Rios do Norte de Pequena Dimensão), sendo que os seus
habitats ribeirinhos exibem uma “Excelente” Qualidade (HQA≥46).
2.4. Amostragem da
ictiofauna
No total dos 7 locais selecionados, foram realizadas 21 pescas elétricas
(60 m/troço RHS) em julho de 2022. Esta metodologia constitui um processo
habitualmente usado neste tipo de trabalhos já que possibilita realizar, com
alguma facilidade e celeridade, a captura das espécies piscícolas para a sua
monitorização. Segundo Cortes (1995), a pesca elétrica constitui um processo
eficiente e relativamente inofensivo para a fauna piscícola, embora fortemente
seletivo, por espécie e classe de tamanho.
Para a pesca foi usada corrente por impulsos (a uma tensão ajustada de 800
a 1000 Volts devido às reduzidas condutividades de 28,0 a 95,0 µS.cm-1)
propiciada por um aparelho portátil (Hans Grassl,
Modelo IG200/2). Manteve-se, tanto quanto possível, uma intensidade de captura
(CPUE) constante, tendo cada amostragem sido realizada em todo o leito molhado
de cada transecto. Os indivíduos capturados foram
identificados (até à espécie), pesados e medido o seu comprimento total
(distância entre a extremidades da cabeça e da barbatana caudal).
Antes da sua libertação, foram retiradas algumas escamas de cada um dos
exemplares representativos de cada uma das suas classes de comprimento, para
posterior avaliação da sua estrutura etária. As escamas foram colhidas na mesma
zona corporal (região média), com um bisturi, nomeadamente acima das suas
linhas laterais e mantidas em invólucros devidamente identificados (local,
data, peso, comprimento e espécie capturada).
2.5. Tratamento de dados
Foi realizado o estudo dos dados
relacionados com a idade, crescimento, condição física dos exemplares monitorizados, assim
como a análise da sua relação com os mais diversos tipos de habitats, onde
foram encontrados. A truta-de-rio (Salmo
trutta), a boga (Pseudochondrostoma
duriense) e o ruivaco ou panjorca (Achondrostoma spp).
Contudo, o universo das espécies capturadas envolveu também as enguias (Anguilla anguilla)
que parecem bem distribuídas por uma boa parte desta bacia.
Para a determinação dos parâmetros de crescimento de
cada espécie estudada foi usada a equação de Von Bertalanffy
(1938), recorrendo ao programa FISAT II (FAO/ICLARM STOCK ASSESSMENT TOOLS II –
GAYANILO Jr.; SPARRE; PAULY, 2005). Os comprimentos registados foram
distribuídos por classes de 1 cm e para a obtenção dos comprimentos modais por
idade recorreu-se ao modelo de Bhattacharya (1967) e
ao modelo não sazonal de Von Bertalanffy (1938).
Através da equação de Bagenal
e Tesch (1978) foi possível estabelecer a relação
peso-comprimento, bem como o coeficiente de alometria (b) das espécies em
estudo. Este coeficiente está compreendido entre 2 e 4 e constitui um indicador
do crescimento dos indivíduos. Varia consoante a espécie, já que depende de
fatores como a duração do dia, tipo de habitats, sexo e, entre outros, da
maturação sexual (CORTES; FERREIRA, 1993). Para avaliar se o coeficiente b é
significativamente diferente de 3 recorreu-se ao teste t apresentado por Economou, Daoulas e Psarras (1991) e
desenvolvido por Pauly e Gaschütz
(1979). Com base nos dados anteriores foram determinados, para cada um dos
indivíduos de cada espécie, os coeficientes de condição física (K), através da
equação de Ricker (1975). Este parâmetro garante-nos
informação sobre a condição física das espécies estudadas já que indica o grau
de bem-estar das comunidades piscícolas monitorizadas no ambiente em que vivem.
Segundo Vazzoler (1996), este parâmetro reflete
aspetos nutricionais recentes e/ou gastos de reservas em atividades cíclicas
que podem estar relacionadas com aspetos de natureza ambiental e comportamental
das espécies.
No presente trabalho, a idade dos peixes amostrados
foi definida através da escalimetria, tendo a mesma sido realizada em
laboratório com o auxílio de lupa estereoscópica, por observação direta, das
escamas recolhidas. O estudo da estruturação etária das comunidades piscícolas
foi realizado através do método Bhattacharya (1967).
Para o efeito, foi usada a aplicação informática FAO-ICLARM – Stock Assessment Tools (FISAT v.
II, GAYANILO Jr.; SPARRE; PAULY, 2005) para estudar a distribuição das espécies
piscícolas por classes de comprimento, tendo sido usada a rotina ASSESS - Modal
Progression Analysis.
Com este procedimento foi possível calcular os comprimentos médios, o número de
indivíduos, os desvios-padrão e os índices de separação por classe de idade dos
indivíduos estudados.
3 Resultados e Discussão
3.1. Avaliação da qualidade dos habitats ribeirinhos
A avaliação dos diferentes habitats encontra-se fundamentada
na comparação dos índices HQA e HMS dos treze pontos de amostragem
estabelecidos para o presente estudo (Quadro 1).
Quadro 1. Valores
dos índices HQA e HMS por estação (Ti) de amostragem RHS. Acesso
em: https://drive.google.com/file/d/1OUZ6Z6Kd0Bh3CUHGnv05I-TGig_4dIFM/preview
A bacia do rio Âncora, com uma tipologia N1≤100,
apresenta habitats ribeirinhos com Excelente Qualidade (HQA≥46 para rios do
Tipo N1≤100).
No que respeita ao HMS, os índices de
artificialização encontrados revelam que os habitats estudados se encontram
maioritariamente em condições de “severamente modificados” (T3, T4,
T5) e “significativamente modificados” (T2, T6
e T7). De sublinhar ainda que apenas a estação T1 é
constituída por habitats “predominantemente não modificados” (Quadro 1). Esta
aparente contradição, advém do facto de os troços possuírem infraestruturas
tais como pontes, açudes, defletores, passagens a vau e artificialização das margens
(muros) mas que não afetam grandemente a qualidade dos habitats, mantendo uma
diversidade de tipos de corrente, de substratos, uma galeria ripícola bem
estruturada, atributos que continuam a conferir ao curso de água principal um
grau de naturalidade assinalável.
3.2. Caracterização das
populações piscícolas
Ao longo das 7
estações de amostragem, foram realizadas 21 pescas tendo-se monitorizado um
total de 239 indivíduos (Quadro 2). De notar que a família Salmonidae
representou cerca de 72,38 % da totalidade dos indivíduos amostrados, a Leuciscidae
ocorreu em aproximadamente 20,92 % e a Anguillidae,
em 6,70 %. Na área estudada, a truta (Salmo
trutta) mostrou ser a espécie piscícola mais presente e com mais ampla
distribuição, tendo sido encontrada em quase todos os troços monitorizados no
curso de água principal já que em T1 não se registou qualquer
ocorrência piscícola.
A boga representou uma das duas espécies leuciscídea
autóctones ocorrentes, cuja abundância foi menos frequente do que o esperado
quando comparado com outros estudos (FORMIGO; PENCZAK, 1999; PENCZAK;
FORMIGO, 2000). O ruivaco (Achondrostoma
spp.) ocorreu também em proporções muito discretas. A enguia, apesar de
amostrada apenas por 16 vezes, aparenta um padrão de distribuição longitudinal
muito uniforme em quase todo o rio Âncora (Quadro 2), não tendo sido
inventariada a montante da zona da Cascata do Pincho, designadamente em T1
e T2, onde a geomorfologia do rio Âncora é manifestamente mais
acidentada, formando inúmeras quedas de água seguidas de generosas piscinas
naturais de águas límpidas pela erosão hídrica.
Quadro 2. Abundâncias relativas dos exemplares capturados nos locais de amostragem.
O valor obtido para cada local corresponde à soma dos três troços amostrados em
cada uma das 7 estações. Acesso em: https://drive.google.com/file/d/1j0wd2Z3-FpiKsZzcbjAuT34h7kioymCz/preview
As bogas, apesar de muito pouco presentes nestas monitorizações, foram
ainda assim encontradas nos troços, médio e inferior, do rio Âncora (T5,
T6 e T7).
A ocorrência de Salmo trutta em quase todas as estações
de amostragem instaladas no rio Âncora (com exceção de T1)
evidenciou tratar-se de uma espécie que se encontra muito bem adaptada aos
habitats aquáticos e ribeirinhos que constituem este curso de água, mesmo em
áreas onde a temperatura da água no estio é um pouco mais elevada (16,2 ˚C ≤ T
≤ 18,7 ˚C) e consequentemente em zonas onde a qualidade ambiental foi mais
reduzida (sublinhe-se que em julho 2022 ocorreram dias de muito calor, sendo
que a estação meteorológica de Pinhão – Santa
Bárbara/Viseu, registou a temperatura de 47,0 ˚C - “https://www.publico.pt/2022/07/15/azul/noticia/pinhao-47-graus-atingiu-recorde-temperatura-mes-julho-2013757”) e em Viana do
Castelo foram atingidos 39,3˚C (IPMA, 2022).
De registar que
de acordo com estas inventariações esta bacia hidrográfica aparenta não estar
colonizada por espécies piscícolas exóticas (Quadro 2). A truta apresenta um
crescimento isométrico e revela uma equilibrada robustez física (Quadro 3),
comprovando que a relação entre o seu peso e comprimento ligeiramente inferior
a 3 (coeficiente de alometria, b = 2,99601). Trata-se da espécie que neste
curso de água maior crescimento teórico pode atingir (L∞ = 38,33),
já que para as restantes espécies estudadas esses valores oscilaram entre L∞
= 16,28 (boga) e L∞ = 12,08 (ruivaco ou panjorca).
Quadro 3. Coeficientes de robustez (Fator de
condição de Ricker - K). Acesso
em: https://drive.google.com/file/d/1c7wL_bmuwGL47I7uyxkj5x86kuPUMCiV/preview
Entre a
população amostrada, 50,29 % dos exemplares de truta correspondem a
indivíduos com idades compreendidas entre 0+ e 1+. Estes
resultados poderão, mesmo assim, estar subestimados pela seletividade do método
de captura usado (pesca elétrica). O escalão 1+ das trutas (cerca de
34,68 %) foi o mais representativo. As comunidades de truta parecem
evidenciar uma boa estruturação etária, sendo que o exemplar mais longevo
encontrado exibia uma idade de 6+, facto muito associada
à circunstância da pesca com morte continuar a ser uma realidade neste curso de
água. A escalimetria demonstrou que, em geral, estes salmonídeos atingem os 20
cm de comprimento total na idade 4+ (medida mínima legal de pesca
com morte permitida em Portugal) (Figura 4).
Figura 4. Distribuição das frequências de comprimento e sua relação com as classes
etárias da truta (Salmo trutta) na BH
do rio Âncora. A Acesso em: https://drive.google.com/file/d/1r8AtLZLQTbMQY3A2kkgUOSc-CEJKe7gx/preview
Das 19 bogas
capturadas, os indivíduos imaturos (0+ e 1+) foram os mais
representados sendo que os indivíduos maduros estiveram muito pouco presentes
nestes controlos (longevidade máxima de 3+). Esta circunstância parece evidenciar a falta
deste leuciscídeo neste curso de água. A ausência de
uma comunidade mal estruturada constitui matéria que importará ajudar a
restabelecer.
Quanto ao ruivaco (Achondrostoma spp.),
a sua ocorrência foi também reduzida (foram apenas registados 31 indivíduos).
Importa neste contexto, adotar uma gestão que permita lutar pela sua
conservação, apesar da legislação atual já acautelar esta circunstância, ao
proibir a pesca da Achondrostoma oligolepis (ruivaco), pelo que a mesma
já se encontra listada como espécie de devolução obrigatória (Portaria nº
108/2018, de 20 de abril).
Apesar de neste estudo não terem sido
registadas quaisquer ocorrências de espécies piscícolas/aquícolas exóticas é,
no entanto, conveniente acompanhar esta conjuntura em futuros trabalhos de
monitorização, para melhor acautelar a conservação dos recursos endógenos,
consubstanciado pelas espécies diádroma e demais
residentes, ainda presentes nestas massas de água (DELGADO; RUZZANTE, 2020; VERHELST
et al., 2021).
A distribuição da truta ao longo das estações monitorizadas
mostra que esta espécie é mais influenciada por valores elevados de vegetação
arbórea e características associadas (HQATRE), coincidindo com trechos
ribeirinhos dotados de cortinas ripárias bem estruturadas (amieiros, freixos,
salgueiros, carvalhos,…), ainda que por vezes por
vegetação alóctone (Acacia
spp.), e margens bem consolidadas. A diversidade de atributos das margens
(HQABKF), estrutura da vegetação nas mesmas (HQAVS), tipos de corrente (HQAFLTP)
e diferentes atributos do canal (HQACHF) indicam a existência de vários
segmentos fluviais (T2, T3, T4, T5,
T6, e T7) cujas características,
combinadas com uma elevada alternância de troços lóticos e lênticos, são
promotoras de uma enorme diversidade de micro-habitats
de relevante qualidade.
Foi precisamente
nestas condições de habitat onde foi possível monitorizar a grande maioria dos
exemplares de truta.
3.3. Medidas de
ordenamento e gestão da pesca lúdica – futura ZPL do rio Âncora
Conscientes da
necessidade em proceder ao ordenamento da pesca lúdico-desportiva na área da
ZPL do rio Âncora, a Divisão de Extensão e Competitividade Florestal (do
Departamento de Regional de Valorização da Floresta – Direção Regional da
Conservação da Natureza e Florestas do Norte do Instituto da Conservação da
Natureza e das Florestas, ICNF), à luz do definido no modelo de gestão da pesca
no rio Olo (MARTINHO, 2008), elaborou e implementou o plano de gestão e
exploração da pesca lúdico-desportiva, à escala da sua bacia hidrográfica de
águas continentais, onde na atualidade se procura promover a pesca de acordo
com princípios mais conservacionistas dos recursos explorados. Assim, será
criada por Despacho do Conselho Diretivo do ICNF, a ZPL do rio Âncora, sendo
este plano de gestão o documento orientador e regulador da pesca nestas massas
de água interiores nos próximos anos (Figura 5).
O projeto Migra Miño-Minho, concluído em 2021, contribuiu decisivamente
para que este projeto fosse também iniciado e se encetassem os necessários
esforços para agir em prol da conservação destes recursos endógenos, adotando
medidas capazes de contribuir para a proteção e recuperação dos habitats
ribeirinhos e para a melhoria da gestão conjunta das espécies aquícolas de que
ainda dispomos nestas massas de água da região hidrográfica onde se insere a
bacia do rio Minho (MOTA; ROCHARD; ANTUNES, 2016).
O Plano de Gestão e
Exploração da ZPL do rio Âncora foi proposto para, logo que possível, entrar em
funcionamento e constitui mais um esforço do ICNF para a promoção da pesca de
acordo com práticas mais concordantes com os objetivos de conservação da
natureza.
Os planos de
ordenamento dos recursos piscícolas têm como objetivo definir regras de gestão
daquele património (ALMODÓVAR, 2001), as quais devem, anual ou periodicamente,
ser avaliadas através da sua monitorização, uma vez que, como referem Sánchez-Hernández et al. (2012), os parâmetros populacionais e de crescimento
poderão variar em troços de rios com diferentes tipos de regulamentação de
pesca lúdico-desportiva (troços onde a pesca é proibida, troços de pesca
concessionados e troços de pesca livre).
Neste contexto, o seu
ordenamento deverá abarcar períodos de vigência, se necessário, reduzidos, para
responder a eventuais alterações que, entretanto, se possam vir a produzir no
meio aquático. Disso é exemplo as modificações provocadas nas massas de água
por ação antrópica como por exemplo contaminações, dragagens, criação de novas
represas, transvases e introdução abusiva de espécies exóticas (GARCÍA de JALÓN
LASTRA et al., 1993), entre outras ocorrências
naturais (período de seca prolongada e de grandes cheias).
Portanto, caso não se
verifiquem condições que determinem a sua antecipação, a execução deste tipo de
trabalhos de monitorização deverá, tanto quanto possível, abranger períodos de
cerca de 5 anos, pelo que a sua realização deverá ser efetuada preferencialmente
durante os meses de verão desses anos.
Baseados no anteriormente explanado, foram definidos critérios que serviram
de base à definição de troços de pesca e de pesca proibida (Quadro 3) onde o
objetivo fundamental da gestão destes recursos ultrapassa, em muito, a
atividade pesca lúdico-desportiva e se alarga à conservação da enguia europeia
(Anguilla anguilla)
(RIGHTON et al., 2021), cuja pesca está
legalmente proibida. Foi ainda objetivo deste trabalho a conservação das
espécies piscícolas nativas que muito dependem também da qualidade destes
habitats ribeirinhos, designadamente da boga e da panjorca,
mais ainda do que da truta, já que bem disseminada por esta bacia de drenagem.
Assim, foi estabelecido que a ZPL em apreço fosse constituída pelos seguintes
tipos de troços de ordenamento da pesca lúdico-desportiva (Quadro 4, Figura 5).
Figura 5. Ordenamento com os troços de
pesca lúdica e zonas de proteção da ZPL do rio Âncora – a instituir. Acesso em: https://drive.google.com/file/d/1ZnaVD7g0GDEmFDZb1LrzsQpqIeQLWSkR/preview
Os critérios que presidiram à sua criação se encontram discriminados no
Quadro 4, a seguir apresentado.
Quadro 4. Critérios que presidiram à definição de troços de
ordenamento da pesca na área da ZPL do rio Âncora. Acesso em: https://drive.google.com/file/d/1JfsA-PYnkXhzmx7xoUpuEr4a2dQUQeza/preview
4 Conclusões
A bacia de drenagem do rio Âncora, sob a jurisdição da lei da pesca em
águas interiores, é constituída por linhas de água correntes, frias e
oxigenadas, de reduzidos teores em sais dissolvidos, galeria ripícola densa e
com um mosaico heterogéneo de habitats, de conectividade longitudinal
caracterizada por uma elevada alternância de pools e riffles
(situação ainda mais ocorrente na sua zona superior, onde várias quedas de água
alternam com piscinas naturais, cuja procura é muito intensa durante a época
balnear). A ação antrópica está patenteada em pequenos açudes usados para
aproveitamento da água para rega e para garantir o funcionamento de alguns
antigos moinhos, pontes, defletores, passagens a vau e muros de suporte das margens que na
realidade não afetam grandemente a qualidade dos habitats, mantendo uma
diversidade de tipos de corrente, de substratos, uma galeria ripícola bem
estruturada, atributos que continuam a conferir ao curso de água principal um
grau de naturalidade assinalável.
Nesta circunstância
este projeto poderá eventualmente vir a ajudar na conceção de soluções de
instalação de sistemas de passagem para peixes que possam contribuir para
restabelecer o continuum fluvial onde
o mesmo se justificar, tendo em atenção os benefícios de conservação que daí
poderão advir no futuro (JONES et al.,
2021; GARCÍA-VEGA et al., 2022).
Os cursos de água doce
da presente bacia atravessam os concelhos de Caminha e de Viana do Castelo,
estando estas massas de água continentais classificadas como dotadas de aptidão
salmonícola, sendo o rio Âncora o seu curso de água
principal.
Nestes ecossistemas
aquáticos coexistem inúmeras formas de vida. Para além das trutas, ainda
encontramos outros endemismos como a boga, o ruivaco e a enguia-europeia. Entre
as espécies inventariadas, ressalva-se a aparente ausência das espécies
piscícolas exóticas. Contudo, esta situação deverá ser acompanhada.
As suas águas, pouco
eutrofizadas e exibindo generosos níveis de oxigénio dissolvido (8,91 ≥ OD ≤
9,55 mg.L-1) apresentam em geral valores
reduzidos de pH (5,01 ≤ pH ≤ 6,50) e baixa condutividade (≤ 95,00 µS.cm-1),
fruto da natureza geológica granítica e xistosa que constitui a sua bacia de
drenagem, a qual, segundo Abad (1982), confere uma
baixa produtividade às suas águas.
O leito destes cursos
de água apresentam-se fundamentalmente constituídos por substratos mais ou
menos grosseiros (blocos, cascalho, areão, areia), reduzida diversidade de
macrófitos aquáticos e densa cobertura ripícola da qual se diferenciam as
espécies como o amieiro (Alnus
lusitanica), freixo (Fraxinus spp.),
salgueiro (Salix
spp.), carvalhos nacionais (Quercus
spp.) em bom estado sanitário e, entre muitas outras, por espécies vegetais
exóticas, com predomínio para as acácias (Acacia longifolia, Acacia melanoxylon e Acacia dealbata).
Os resultados dos
trabalhos de campo indicam que, entre a ictiofauna autóctone amostrada, a Salmo trutta foi a espécies piscícola
mais presente e a melhor distribuída pelos habitats ribeirinhos de águas
correntes, frescas e oxigenadas, designadamente nos habitats dotados de
múltiplos refúgios (proporcionado por materiais líticos de granulometria
variada que constituem a zona molhada do canal ribeirinho), assim como de uma
cortina ripária bem organizada e onde a continuidade fluvial se mantém bem
vincada todo o ano.
Não foi registada a
ocorrência de qualquer exemplar de salmão-do-Atlântico e de truta-marisca (Salmo trutta morpho trutta) apesar deste curso de água confluir no Oceano Atlântico
(Vila Praia de Âncora) e a mesma se situar na região, localizada entre os rios
Minho e Lima (Região Hidrográfica Minho-Lima, RH1), onde estas espécies
migratórias anádromas continuam a procurar esta região de Portugal para
completar os seus ciclos reprodutivos, de desova ou procriação (LENNOX et al., 2021).
O rio Âncora aparenta
ser um excelente rio para a pesca com imitações de insetos terrestres e
aquáticos (mosquito ou mosca afogada leonesa muito usada na pesca com boia de
água, ou ao buldo),
e naturalmente para, entre outras disciplinas, o exercício da pesca à pluma ou
com mosca.
Dos resultados obtidos
neste estudo e demais informações obtida junto das populações locais, foi
possível confirmar que, neste curso de água principal, a pesca ilegal ainda é
uma realidade, estendendo-se impunemente para além dos períodos hábeis de
pesca, por vezes, com recurso a meios e processos muito nocivos para a vida
aquática e para a saúde pública (pesca com lixívia, com cal, …), capazes de
destruir comunidades aquáticas autóctones inteiras em extensas áreas (pesca com
redes, com larvas naturais, …) e num curto período de tempo. Estes
comportamentos parecem continuar associados a hábitos culturais que prevalecem
de tempos em que a pesca se encontrava intimamente associada à subsistência dos
povos do interior do nosso país.
Com a criação desta
ZPL pretende-se instituir um conjunto de regras que permitam melhorar a gestão
destes recursos e ajudar a mudar mentalidades que estimulem a adoção de
melhores práticas de pesca em águas interiores, sobretudo numa bacia
hidrográfica fortemente pressionada por uma população que elege a pesca em
águas interiores como uma atividade complementar à caça — no defeso da caça,
pesca-se à truta e a outras espécies piscícolas nativas, por vezes, de forma
excessiva.
Nesse contexto, este
projeto conta com a promoção da participação dos pescadores neste tipo de
gestão para que a sua aceitação se possa produzir sem grandes contratempos.
De realçar que em 2021
os incêndios rurais e queimadas parecem não ter gerado impactos negativos para
as espécies aquícolas nos ecossistemas ribeirinhos da
área estudada (https://www.icnf.pt/).
DECLARAÇÃO DE
CONTRIBUIÇÃO DE CRÉDITO DE AUTORIA
A. Martinho e S.
Varandas foram os responsáveis pela conceptualização, tratamento de dados,
análise formal, metodologia, redação, revisão e validação.
DECLARAÇÃO DE INTERESSE
Os autores divulgam que
não têm interesses financeiros concorrentes ou relações pessoais conhecidas que
possam ter influenciado o estudo relatado neste manuscrito.
FONTE DE FINANCIAMENTO
Este plano de gestão foi
estabelecido, financiado e desenvolvido pelo Estado Português (atualmente
representado pelo ICNF) e apoiado pelo CITAB/UTAD.
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